Em 28 de agosto, a Receita Federal, em parceria com outros órgãos, deflagrou a Operação Carbono Oculto. O objetivo da ação, considerada uma das maiores contra o crime organizado na história do Brasil em termos de cooperação, foi desmantelar um esquema de fraudes e lavagem de dinheiro no setor de combustíveis, envolvendo mais de 350 pessoas e empresas suspeitas de colaborar com o Primeiro Comando da Capital (PCC).
A crise gerada pela infiltração do crime organizado tem um impacto significativo na reputação das marcas de combustíveis que atuam no Brasil, pois abala o valor central do setor: a confiança. Segundo José Mauro Nunes, professor de MBAs da FGV, quando surge uma associação com o crime organizado, o público tende a perceber a marca como conivente ou negligente, mesmo que o envolvimento tenha ocorrido em uma ponta específica da cadeia, como o revendedor ou franqueado.
Essa situação também intensifica uma desconfiança pré-existente da população brasileira em relação à adulteração de combustíveis.
Resposta das Grandes Marcas e o Colchão de Reputação
Grandes distribuidoras como Shell e Ipiranga manifestaram apoio às investigações e reforçaram seus processos de controle. Julio Sattamini, vice-presidente de marketing e desenvolvimento de negócios da Ipiranga, vê com otimismo o avanço da operação. Ele reforça que a marca participa ativamente do debate regulatório e possui processos de diligência robustos, que permitem a remoção de postos da rede com práticas irregulares comprovadas.
Ricardo Berni, CMO da Raízen (licenciada da marca Shell no Brasil), enfatiza que combater o crime organizado é uma responsabilidade coletiva essencial para garantir a concorrência justa e a segurança dos consumidores. A Shell, por exemplo, é uma das fundadoras do Instituto Combustível Legal, criado em 2016 para promover um ambiente ético e leal no setor. A companhia investe constantemente no treinamento de revendedores e em iniciativas diretas de qualidade, realizando quase mil análises mensais e emitindo mais de 20 mil boletins de conformidade de produto por ano.
Patrícia Gil, professora de comunicação corporativa da ESPM, destaca que o impacto na reputação difere para cada marca. Aquelas mais consolidadas possuem um “colchão de reputação”, construído por meio de esforços contínuos de gestão de marca ao longo dos anos. Marcas sem um projeto de gestão de reputação estabelecido tendem a sofrer mais, pois o consumidor não tem um histórico positivo para contrabalançar as notícias negativas.
Reflexos Econômicos e Institucionais da Crise
Os casos de infiltração do crime organizado geram reflexos institucionais e econômicos significativos. O professor José Mauro Nunes aponta que investidores, parceiros e órgãos reguladores aumentam a vigilância, obrigando a marca a investir pesadamente em transparência, compliance e comunicação pública para reconstruir a credibilidade.
O impacto financeiro é multifacetado, começando por uma potencial queda imediata na receita, especialmente nos postos associados aos escândalos, à medida que os consumidores migram para concorrentes vistos como mais confiáveis. Contudo, Sattamini, da Ipiranga, afirma que a marca tem percebido um movimento positivo dos consumidores, com aumento nas vendas, atribuído à confiança e à qualidade que a marca apresenta.
Em paralelo, as distribuidoras enfrentam um aumento nos custos operacionais. É preciso reforçar controles internos, revisar contratos e investir em auditorias, rastreamento de operações e monitoramento de parceiros. Os gastos com assessoria jurídica, comunicação de crise e treinamento de equipes também tendem a crescer.
Estratégias para Contornar a Crise e o Compliance
A médio prazo, o setor deve lidar com o desafio de investir em programas robustos de compliance e governança corporativa. Segundo Nunes, embora representem um custo inicial relevante, esses programas funcionam como um seguro reputacional, sinalizando seriedade institucional e reduzindo riscos futuros.
Para contornar a crise, é essencial adotar uma estratégia integrada, que combine três tipos de medidas:
- Corretivas: Reforço do compliance e auditoria.
- Preventivas: Monitoramento ativo de riscos.
- Comunicacionais: Transparência ativa e reposicionamento da marca.
Neste sentido, a Ipiranga tem aproveitado o momento para reforçar os pilares de confiança e qualidade associados à sua história de 88 anos. Sattamini menciona a campanha “Desde Sempre”, que resgata o bordão “Pergunta lá”, com o objetivo de reforçar que a marca continua sendo aquela em que o consumidor brasileiro sempre confiou.